Animais são capazes de sofrer?

Em agosto de 2018, milhões de pessoas assistiram ao vídeo de uma orca no noroeste do Pacífico e ficaram com o coração partido. A nova mãe chamada Tahlequah havia perdido seu filhote, mas persistiu em empurrar o cadáver por 17 dias. Era quase impossível não sentir, no fundo, que a mãe estava de luto.

Os cientistas também são tentados a tirar essas conclusões. Mas mesmo que os pesquisadores sintam que o comportamento de um animal significa que ele está de luto, não é assim que seu trabalho funciona.

Precisamos de evidências documentadas de que isso é realmente um análogo ao luto”, diz Elizabeth Lonsdorf, primatologista do Franklin and Marshall College em Lancaster, Pensilvânia.

Infelizmente, essa prova é difícil de obter. “Em termos de emoção, a cognição animal é complicada”, diz ela. “Seria muito melhor se você pudesse perguntar o que eles estão sentindo.

Como essa opção está fora de questão, os cientistas recorrem a observações, análises e hipóteses de teste para descobrir por que os animais interagem com seus mortos e se essas interações contam como luto.

E vai ser necessário muito mais do que apenas observações na selva para obter uma resposta. “A resposta curta é que este é um desses grandes problemas científicos que exigirá que pessoas que trabalham em todas as áreas resolvam”, diz Lonsdorf.

Avistamentos Raros

Para começar, é importante entender como raramente os pesquisadores veem os animais interagirem com os mortos. Mesmo que as observações cheguem às manchetes, esses são incidentes únicos. Os cientistas precisam de um grande conjunto de dados de interações para chegar a quaisquer conclusões sobre por que os animais fazem o que fazem.

Para muitos animais com comportamentos documentados em relação a indivíduos falecidos, os cadernos de campo não têm muitas entradas.

Quando Lonsdorf e seus colegas analisaram incidentes de mães de chimpanzés carregando cadáveres de bebês para um estudo publicado em julho, havia 33 casos no total para trabalhar – e isso foi depois de 60 anos de pesquisa nas mesmas comunidades de chimpanzés na Tanzânia.

Os dados também são escassos para os cetáceos. Entre 1970 e 2016, houve apenas 78 incidentes registrados de diferentes golfinhos e baleias mostrando interesse em um indivíduo morto.

Observar essas interações na natureza é um tanto fortuito. Ao contrário de outros comportamentos animais, não é possível para os pesquisadores entrarem em campo com a intenção de observar as interações com os mortos. “Você não pode sair e esperar os animais morrerem”, diz Lonsdorf.

Também há uma chance de que os incidentes que acabam em estudos sejam apenas os que mais intrigam a nós, humanos. Como a ecologista comportamental Shifra Goldenberg e seus colegas apontaram em sua análise de 2019 dos comportamentos dos elefantes:

Provavelmente existe um viés neste conjunto de anedotas que favorece o registro de comportamentos interessantes ou mais óbvios”.

Mesmo ao compilar todas as instâncias registradas, encontrar um padrão de comportamento pode ser difícil, se nem todos os grupos de pesquisa sabem ou documentam os mesmos detalhes sempre. Esses detalhes podem incluir a duração das interações, quem apareceu ou a natureza exata das relações entre os vivos e os falecidos.

Usando dicas de contexto

Os pesquisadores ainda podem dar uma olhada nas maneiras pelas quais diferentes animais interagem com os mortos para tentar descobrir suas motivações. Por exemplo, alguns cientistas propuseram que talvez uma determinada espécie cutuque, toque ou carregue um cadáver porque ainda não sabe que seu filho ou amigo está, bem, morto.

Quando se trata de cetáceos, como golfinhos e baleias, muitos biólogos pensam que dentro de alguns dias de interação, o indivíduo vivo teria descoberto. Afinal, seu companheiro imóvel começa a cheirar a decomposição.

Mas ainda não há evidências concretas de que os mamíferos aquáticos estão cientes de que o indivíduo não será revivido.

Embora a pesquisa neste domínio tenha começado há mais de cinquenta anos”, escreveu o zoólogo Giovanni Bearzi e seus colegas em sua análise de 2018 desses casos, “houve pouca pesquisa direta sobre este tópico e o assunto ainda está aberto para investigação e debate”.

Com os chimpanzés, é uma história diferente. Em seu estudo, Lonsdorf e sua equipe analisaram a mesma possibilidade – que as mães não perceberam que seu filho havia morrido – mas encontraram evidências que sugerem o contrário.

As mães às vezes arrastavam os bebês, algo que nunca fariam enquanto o filho estivesse vivo. Em alguns casos, eles canibalizaram seus filhos, um indicador bastante claro de que sabiam que algo havia mudado. Outras teorias sobre por que essas mães interagiam com seus filhos falecidos também não se encaixavam nas evidências.

Uma ideia era que as mães ficam tão sobrecarregadas com os hormônios pós-parto influenciando seus instintos maternos que elas não conseguem deixar seu filho ir. Se fosse esse o caso, a equipe de pesquisa teria visto mães que perderam filhos mais velhos se soltarem mais rápido, pois já teriam passado da onda de apego hormonal.

Mas não havia qualquer relação entre a idade do bebê e quanto tempo a mãe carregava o corpo.

Compreendendo o luto

Para entender melhor por que os chimpanzés – ou elefantes, cetáceos ou qualquer número de animais – interagem com seus mortos, é necessário que haja pesquisas mais detalhadas.

Quando se trata de chimpanzés, talvez experimentos com indivíduos em cativeiro possam mostrar como eles reagem a, digamos, fotos de amigos falecidos.

Após a morte, os primatologistas podem procurar mudanças que refletem alguns comportamentos humanos comuns de luto, como afastar-se dos outros ou perder o interesse pela comida, diz Lonsdorf.

Para os cetáceos, Bearzi e seus colegas acham que pode valer a pena tentar registrar os sons que os mamíferos marinhos fazem após uma morte, já que muitas espécies são famosas por ecolocalizações intrincadas.

Uma melhor compreensão do comportamento animal também requer alguma introspecção. O luto é um conceito e processo vago e variante para os humanos, e até a própria morte vem com uma curva de aprendizado.

Lonsdorf, por exemplo, se lembra de assistir Star Wars quando criança e acreditar que o ator que interpretou Obi-Wan Kenobi realmente morreu na tela. “Fiquei chocada quando ele apareceu em outro filme”, diz ela.

A morte e a dor ainda podem parecer estranhas e desconhecidas para nós. Naturalmente, uma compreensão mais sutil desses conceitos nas pessoas pode nos ajudar a reconhecê-los em outras criaturas também.

Leia também: Terra quebra recorde de calor em setembro, pode atingir o ano mais quente

Traduzido e editado por equipe Isto é Interessante 

Fonte: Discover